Engenheiro civil: a coragem de mudar

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Transição de carreira: da fisioterapia para a engenharia civil

A inquietude fez com que Thiago Habacuque jamais se acomodasse profissionalmente. E a coragem o guiou por uma inusitada transição de carreira: da fisioterapia para a engenharia civil, duas áreas aparentemente incompatíveis. Thiago assumiu os riscos de começar do zero em uma nova profissão, mas superou os desafios, um passo de cada vez. “Na faculdade, todos os alunos eram de uma geração mais jovem. Alguns professores ficavam até um pouco incomodados, no início, por ter um aluno mais velho, vindo de outra graduação”, relembra ele.

Atualmente, o profissional se divide entre as atividades de engenheiro, professor universitário e ainda é sócio de uma clínica de fisioterapia, em Teresina, no Piauí.

Na opinião de Thiago, para tornar-se bem sucedido, um engenheiro civil deve ser resiliente e organizado. “Na administração e na direção de obra, por exemplo, é fundamental ter um registro fidedigno do que é acordado junto ao fornecedor, à mão de obra e aos terceirizados. A organização e o registro do que foi estabelecido são fundamentais. Sem isso, o profissional se perde facilmente”.

Nessa entrevista, o engenheiro civil ainda dá pistas sobre o perfil profissional de que o mercado de trabalho mais carece atualmente: o planejador. Portanto, se acredita que essa profissão é para você, que tal começar a desenvolver essas habilidades agora mesmo?

Quanto ganha um engenheiro civil? O salário médio desse profissional é de R$ 8.090 por mês (Fonte: Glassdoor)

PC: Conte-me um pouco sobre a sua trajetória profissional. Você é formado em fisioterapia, certo? Em que momento e por que você decidiu migrar para uma área tão distinta como a engenharia civil?

Sim. Formei-me em fisioterapia em 2006. No ano seguinte, comecei uma especialização na Santa Casa, pois sempre pensei em trabalhar na área hospitalar. Fiz também um aprimoramento no Hospital das Clínicas, focado em UTI e, em 2011, trabalhava no Hospital Beneficência Portuguesa. Foi quando terminei o mestrado no Instituto de Ciências Biomédicas da USP e decidi que não faria o doutorado, pois já não tinha tanta vontade de seguir na área científica, de pesquisa.

Eu tinha algumas dificuldades dentro do hospital, quanto à autonomia e à representação frente à equipe multidisciplinar. Então, me vi procurando outra atividade que me permitisse autonomia para fazer aquilo que eu gostaria e em que eu tivesse sucesso profissional. Sempre tive muita facilidade na área de exatas, inclusive meus pais e meu irmão são professores de matemática. E eu decidi que, dentro das ciências exatas, a Engenharia Civil era um bom caminho a ser traçado nessa mudança de área.

PC: Como você planejou essa transição de carreira? Quais foram os principais desafios que enfrentou nesse processo?

A transição foi mais ou menos planejada à medida em que eu conversava com alguns amigos do colegial formados em engenharia. A ideia era cursar a graduação enquanto eu ainda trabalhava no hospital. Chegou um momento em que já era bastante ruim trabalhar no hospital da forma como era. Decidi, então, que tinha chegado o momento de sair e começar a busca por um estágio na área de engenharia civil. Financeiramente, foi um período difícil, mas eu já tinha uma reserva e o seguro desemprego, que me dariam uma certa segurança por seis meses. Mas três meses depois que saí do hospital, consegui um estágio no qual permaneci até o final da graduação. Esse foi o planejamento que, felizmente deu certo, apesar do risco que existia.

O principal desafio durante a transição foi encarar novamente uma sala de graduação. Todos os alunos eram de uma geração mais jovem. Alguns professores ficavam até um pouco incomodados, no início, por ter um aluno um pouco mais velho, vindo de outra graduação. Depois, para conseguir o estágio, também houve certa estranheza, pois muita gente me enxergava como um cara frustrado e não queriam um profissional assim dentro da equipe. E, na verdade, o meu sentimento não era de frustração, mas de buscar um novo desafio, uma nova carreira, em que eu tivesse mais autonomia e não por me sentir incapaz.

PC: Como é o seu dia a dia profissional?

Hoje a minha vida é muito mais corrida do que quando eu morava em São Paulo. Trabalho em uma obra de grande porte, que é a construção da catedral da Igreja Universal em Teresina. Sou sócio de uma clínica de fisioterapia ao lado da minha esposa Sâmia e auxilio na administração, cuidando de todos os pagamentos, contratos e compras de grandes fornecedores, além da contratação de mão de obra. Além disso, leciono na UniFacema, uma instituição com pouco mais de dez anos de fundação, localizada em Caxias, cidade maranhense que fica há 70 quilômetros de Teresina. De terça e quarta-feira, por exemplo, saio de casa por volta de 7h e volto às 23h.

O trabalho na clínica me aperta mais no início do mês, quando tenho que fazer os pagamentos de salários, fornecedores, etc. Até o dia 10 geralmente é bem puxado. Apesar de ter o CREFITO (registro no Conselho Regional de Fisioterapia) por ser sócio na clínica, não atendo mais como fisioterapeuta. Houve apenas dois episódios em que eu acabei atendendo, porque o fisioterapeuta faltou e minha esposa não podia ir para a clínica no horário. Mas dei apenas um suporte para a equipe, para que os pacientes não tivessem que esperar tanto pelo atendimento.

Com o nascimento do meu filho há 15 dias, incluí visitas diárias à clínica à minha rotina, já que a Sâmia está se dedicando exclusivamente ao nosso bebê. De lá, ainda pela manhã, vou para a obra, onde fico até umas 16h e, no final do dia, dou mais uma passada na clínica, que fecha às 18h. Com exceção das terças e quartas, quando vou da obra direto para Caxias, dar aula.

PC: Há algo da engenharia que seja útil na sua atuação na clínica e vice-versa?

Tem muita coisa da engenharia que me ajuda na clínica, na parte de organização, planejamento e controle financeiro, por exemplo. Na obra, eu sou responsável pela parte de suprimentos, então faço as contratações, tanto de material quanto de mão de obra. Quando comecei na obra foi interessante, porque eu já estava há mais de um ano com a clínica, então já tinha um certo controle, trabalho bem com Excel, planilhas, etc., e isso me ajudou.

O fato de ser professor também me ajuda a ter mais paciência no dia a dia como engenheiro. É preciso ter paciência na sala de aula. Uma paciência que eu percebo que alguns colegas engenheiros não têm na obra. E o fato de ser engenheiro me ajuda nas aulas porque os alunos me veem com outros olhos, por ser um profissional da área, com know-how, o que me dá mais credibilidade para falar o que preciso em sala de aula.


Minha atuação como engenheiro civil me dá mais credibilidade para falar o que preciso em sala de aula

PC: Você dá aula especificamente para o curso de engenharia? Em quais cursos um engenheiro civil pode dar aula? Quais matérias ele pode lecionar?

Hoje dou aula apenas para o curso de engenharia civil. Mas, uma vez formado, é possível lecionar qualquer disciplina da sua graduação. Como engenheiro civil, eu poderia dar aula de fundamentos da matemática, por exemplo, para uma turma de computação ou de biofísica da fisioterapia. O professor consegue flutuar muito facilmente entre os cursos dentro da instituição. As coisas mais específicas caberiam muito mais ao profissional se restringir de lecionar. Eu, por exemplo, apesar de poder dar aula de qualquer disciplina da engenharia, não me arrisco em algumas, porque sei que não tenho know-how, não vou conseguir trazer exemplos práticos, ou ter o desempenho que gostaria de ter na sala de aula. É muito comum também engenheiros civis lecionarem para turmas e arquitetura e vice-versa.

PC: Quais são as características e habilidades que você considera serem fundamentais para tornar-se bem-sucedido na engenharia civil?

Para o engenheiro ser bem-sucedido ele precisa ser muito resiliente e organizado. Hoje em dia, dentro da engenharia civil, existem várias áreas em que é possível atuar. Vou falar das áreas em que já atuei: na administração e na direção de obra, por exemplo, é fundamental ter um registro fidedigno do que é acordado junto ao fornecedor, à mão de obra e aos terceirizados. Tudo deve ser muito bem documentado, com atas de reuniões, planos de medição e de pagamento. A organização e o registro do que foi estabelecido é fundamental. Uma pessoa desorganizada se perde facilmente em três meses.

Outra coisa é conhecer a técnica frente aos processos construtivos para ser capaz de fazer críticas tanto à execução quanto ao projeto. Se o profissional não tem o domínio do que vai ser executado, isso prejudica bastante. Porque hoje terceirizam-se muitos serviços e é muito ruim ficar na mão do seu terceirizado. Fica impossível estipular um prazo de execução do serviço, estimar se o preço proposto é verdadeiro ou se o terceirizado está propondo um preço muito acima do mercado. E não consegue nem cobrar uma boa execução do serviço. Por isso, ter a técnica é fundamental. Conseguir discutir o plano de ação do serviço, por onde começar, quantas pessoas serão necessárias para executar a tarefa, qual é o prazo de execução do serviço…

PC: Existe algum ponto na sua profissão que você considera não tão bom?

Sim. Nós temos uma grande dificuldade com o planejamento da obra. Depois que a obra inicia, nós ficamos reféns da execução e do recebimento do material. Dessa forma, toda obra, por incrível que pareça, ainda hoje, padece com questões como prazo perdido, atraso de obra, falta de material, falta de mão de obra específica para desenvolver determinado projeto. Então, a parte ruim da engenharia civil hoje é que ela carece de planejamento. Faltam bons profissionais planejando a obra e estipular o momento correto do lançamento ainda é um grande problema. Isso gera estresse para todo mundo, fornecedores, mão de obra, porque acabam tendo que trabalhar muito mais no final da obra para cumprir prazos razoáveis. O prazo inicial quase nunca é restabelecido.

PC: O que é sucesso, na sua visão? Você se considera um profissional bem-sucedido?

Ser bem-sucedido é ter tranquilidade na carreira, talvez alguns propósitos bem estabelecidos e alcançados – e isso é muito particular. Você pode ser bem-sucedido considerando, por exemplo, que conseguiu realizar uma grande obra. Ou talvez por ter alcançado algum cargo. Eu queria muito, aqui em Teresina, trabalhar em uma grande obra e consegui. Constantemente mudo os meus objetivos de carreira. Sou uma pessoa muito inquieta no aspecto profissional. Não foi à toa que mudei de profissão. E gostaria de traçar mais objetivos, correr atrás deles, ter o reconhecimento de outros profissionais – colegas ou não – que apontem meu trabalho como um trabalho responsável, técnico, que pode ser utilizado para as causas mais arbitrárias e com as soluções mais justas possíveis. Conseguir entregar o melhor projeto no melhor prazo, com o menor custo e trazendo uma grande satisfação para o cliente.