Mulheres na TI: a evolução do mercado

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Danielle Franklin é formada em Ciência da Computação, mas sempre gostou de trabalhar com pessoas. Quando terminou a faculdade, no final da década de 1990, o mercado de Tecnologia da Informação começava a se popularizar no Brasil, ainda encabeçado por homens. Foi nessa época que ela e uma amiga abriram uma empresa, inicialmente para prestar serviços de consultoria em administração de sistemas para o antigo Bom Preço (atual Walmart). Eram duas mulheres na TI. A rotina de gerenciar o próprio negócio lhe deu a oportunidade de entrar em contato com o que mais gostava. “Vendíamos, gerenciávamos e implementávamos os projetos, já que éramos uma empresa de duas pessoas. Mas, conforme a empresa crescia, fui percebendo o quanto eu gostava do dia a dia do comercial, ou seja, de buscar clientes, ir a reuniões, entender os problemas, identificar soluções”, relembra.

Assim, Danielle especializou-se nos processos da área comercial, mas a formação em TI continuou sendo fundamental, mesmo depois de todos esses anos. Afinal, hoje ela é diretora comercial na Stefanini Scala, empresa de governança em TI. “Se eu não souber realmente do que estou falando – tecnicamente e do ponto de vista do negócio –, não conquisto tão rapidamente a confiança do cliente”. Por isso, para ela, a atualização sobre o universo de TI é parte constante do trabalho.

Lugar de homem? Ou existe espaço para mulheres na TI?

Embora a presença das mulheres nessa área tenha aumentado consideravelmente nos últimos anos, elas ainda são minoria nos cursos de tecnologia: representam somente 15% das matrículas em todo o Brasil, segundo dados da Sociedade Brasileira de Computação. Ou seja, um mercado mais equilibrado quanto à questão dos gêneros começa pelo interesse das próprias mulheres. Vale lembrar que a carreira em TI é uma das mais promissoras da atualidade, já que novas tecnologias não param de surgir.

Quer saber mais sobre os desafios e oportunidades dessa área? Confira a entrevista com Danielle, que se divide entre dois Estados e entre compromissos profissionais e a árdua tarefa de ser mãe. “Mas não reclamo. Curto minha vida e minha profissão do jeito como ela foi construída. Tento correr com esse desafio de forma que nenhum lado se sinta prejudicado, nem o trabalho, nem meus filhos”.

Quanto ganha um diretor da área de TI?
O salário médio desse profissional é de R$ 17 mil por mês (Fonte: Glassdoor)

PC: Você tem formação em Ciência da Computação, mas atua como diretora comercial, certo? Como tudo isso começou?

Fiz Ciência da Computação na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e, logo depois, emendei um mestrado, muito mais em busca de uma especialização técnica do que de seguir carreira acadêmica. A Federal de Pernambuco sempre esteve entre as três melhores universidades do país na área de tecnologia. Assim, fiz esse mestrado justamente para entender com qual área da TI eu mais me identificava. Nessa época, estava acontecendo um movimento muito forte dentro da UFPE para a criação de uma incubadora. Afinal, sentia-se muita necessidade de uma aproximação entre a universidade e o mercado. Então, criou-se um centro de pesquisa e incubadora, chamado Centro de Estudos de Sistemas Avançados do Recife (CESAR).

Quando terminei o mestrado, uma colega e eu fomos convidadas pelo antigo Bom Preço (atual Walmart) para fazer uma consultoria na nossa área de especialização do mestrado, ou seja, administração de sistemas. Foi minha primeira experiência fora do meio acadêmico e eu senti necessidade de criar uma empresa para atuar nessa área. A primeira coisa que nós fizemos foi criar uma parceria com a área de software da IBM. Éramos duas mulheres montando uma empresa incubada dentro da UFPE, no CESAR.

Ficamos dois anos incubadas e, em 2001, fizemos o spin-off [processo de cisão entre empresas e o surgimento de uma nova empresa a partir de um grupo que já existe]. A empresa já tinha mais ou menos dez pessoas e alguns contratos no sudeste. Tínhamos pouca experiência em administração e fomos aprendendo, na raça, o que era ter e gerenciar uma empresa. Depois de alguns anos, decidi fazer MBA em Gestão Empresarial para entender mais sobre o que estávamos fazendo. Quando a empresa tinha dez anos, vendemos 70% dela para a Stefanini (consultoria de TI).

PC: E como aconteceu o salto para a área comercial?

Eu sempre gostei de trabalhar com gente. Quando começamos na incubadora, fazíamos de tudo: vendíamos, gerenciávamos e implementávamos os projetos, já que éramos uma empresa de duas pessoas. Mas, conforme a empresa crescia, fui percebendo o quanto eu gostava do dia a dia do comercial, ou seja, de buscar clientes, ir a reuniões, entender os problemas, identificar soluções. Assim, fui saindo da área técnica e me especializando, cada vez mais, na área comercial. E, nessa área, se não fizer vendas consultivas, se não souber realmente do que está falando – tecnicamente e do ponto de vista do negócio –, não conquista tão rapidamente a confiança do cliente. Então, apesar de ter migrado para o comercial, o fato de ter um background técnico faz com que eu consiga discutir com os clientes em igual nível, porque sou da área de tecnologia. Já estou há 15 anos na área comercial.

PC:  Você acredita que a entrada de mulheres na TI faz diferença ou o gênero não afeta necessariamente esse mercado?

Eu não acredito, sinceramente, que isso ainda seja uma questão. Quando eu fiz faculdade há 30 anos, a turma era mais masculina. Então, o que o mercado tem hoje é um reflexo da formação, da opção das pessoas. Geralmente, quem fazia Ciência da Computação, assim como Engenharia, naquela época, eram mais homens do que mulheres. Hoje isso não é mais uma realidade.  E eu não acho, honestamente, que no mercado de tecnologia isso faça diferença. Eu, por exemplo, contrato muitas pessoas e, pessoalmente, não tenho preferência por gênero. Tem a ver com a experiência da pessoa e com o que ela pode agregar de valor para a equipe. E acredito que o fato de haver mais mulheres no mercado de tecnologia é um reflexo de mais mulheres estarem se formando nessa área. Mas tem espaço para todo mundo.

PC: Na sua visão, existem características femininas que podem ajudar na transformação do mercado de TI? Ou a capacidade técnica prevalece?

No geral, as mulheres têm mais jogo de cintura do que os homens. Mas acredito que o que importa é a capacidade técnica, a experiência e se o profissional mostra um bom trabalho. Mas ainda existe uma questão relacionada às mulheres no mercado em geral, não só no de tecnologia: o fato de ser mãe, ter direito à licença maternidade. Às vezes, determinados setores veem isso com um certo preconceito. Mas, a partir do momento em que ela se insere naquele mercado e prova seu valor, isso torna-se irrelevante. Nós ainda vivemos em uma sociedade em que a mulher se vira em mil para ser dona-de-casa, mãe, profissional, mas temos brigado por espaço e provado que temos capacidade de ser mil e uma e dar conta de tudo.

PC: Quais são os desafios das mulheres na área de TI? Existe ainda um preconceito dentro das instituições?

Existe. Mas, para boa parte de nós, que tem uma casa, um companheiro ou companheira e, principalmente, filhos, o maior desafio é equilibrar a vida pessoal e profissional. A sociedade ainda é machista e cobra muito das mulheres. Então, como ser uma profissional brilhante, dar ao trabalho a quantidade de horas que ele exige, mas, ao mesmo tempo, educar seus filhos para que sejam cidadãos de bem, participar da vida deles na escola e no dia a dia e, ao mesmo tempo, manter a casa funcionando?

E nós próprias nos cobramos. Afinal, se você quer seguir uma carreira, vai se cobrar dedicação à profissão e, se tem filhos, vai se cobrar ser uma boa mãe. A profissão mais difícil é a de ser mãe, porque você é responsável pela criação de um ser humano e quem ele vai ser na vida está diretamente relacionado aos valores e à educação que você dá a eles.

“Procuro equilibrar vida pessoal e trabalho, de forma que eu seja feliz.”

PC: Você tem dois filhos. Como você administra essa rotina, na prática? É difícil ser mulher e trabalhar com TI?

Tenho dois meninos, o Arthur, de oito anos, e o Felipe de doze. Moro em Recife, mas trabalho em São Paulo. Então, toda semana, de terça a quinta-feira vou para São Paulo. Assim, para equilibrar o meu tempo, além dos finais de semana, na segunda e na sexta-feira, procuro cumprir com o meu trabalho, mas também dar muita atenção para os meus filhos. Apesar de passar bastante tempo em São Paulo, quando estou em Recife, procuro participar de todos os grupos de trabalho do colégio, organizo encontros, faço festas, aos finais de semana, com os amigos dos meus filhos. Quando perguntam quem vai ajudar a organizar o trabalho da feira de ciências, sou a primeira a levantar a mão. O fato de vivermos em um mundo digital facilita muito a vida, então as pessoas conseguem estar mais próximas mesmo distantes fisicamente.

Detalhe importante: eu não reclamo. Curto minha vida e minha profissão do jeito como ela foi construída. Tento correr com esse desafio de dividir meu tempo de forma que nenhum lado se sinta prejudicado, nem o trabalho nem os meus filhos. Obviamente, aqui e ali, eu me cobro, me sinto culpada, algo não dá certo, um filho fica carente… Mas tento lidar com tudo de forma muito leve. Tudo, na minha opinião, é questão de escolha. Moro em Recife porque tenho qualidade de vida lá e trabalho em São Paulo porque é onde estão os grandes negócios. Então, procuro equilibrar tudo de forma que eu fique feliz e, por enquanto, estou sendo bem-sucedida nesse sentido.

PC: A velocidade com que a tecnologia se desenvolve pode ser um empecilho para os profissionais que estão começando em TI? Como se manter atualizado nesse mercado que muda constantemente?

Outro dia, vi uma palestra sobre transformação digital e o palestrante fez um comentário bem pertinente: as empresas ainda se planejam para daqui a três, cinco, dez anos, quando, na verdade, nós deveríamos nos replanejar a cada três meses. Dada a velocidade com que as coisas mudam. Não se pode perder tempo para elaborar uma ideia, pois quando a colocamos no mercado, alguém já teve uma ideia melhor. Então, é preciso testar rápido, errar rápido, para corrigir rápido. Esse universo de transformação digital é assim.

E, para se manter atualizado, não existe outra forma: tem que ler sites, revistas e jornais especializados constantemente, conhecer os grandes fabricantes. É claro que, no dia a dia, quando se está afogado em tarefas, esquecemo-nos de nos atualizar, mas esse é um pecado que nenhum profissional da área de tecnologia pode cometer. Se não reservar uma parte do tempo para ler o que está acontecendo no mundo, você vai perder. o bonde. Não dá mais para ser especialista em apenas um assunto, pois é possível que, daqui a pouco, o trabalho no qual você se especializou nem exista mais, porque alguma máquina vai fazê-lo por você.

PC: Você é uma mulher que está nessa área de TI há 22 anos. O que mudou com relação ao que se exige dos profissionais de TI? Na sua opinião, como deverá ser o profissional de TI no futuro?

As coisas não aconteciam na velocidade com que estão acontecendo hoje. Era possível se tornar um especialista em determinado tema e passar muito tempo trabalhando somente com aquilo. Hoje é preciso ter um olhar mais aberto para as novas tecnologias. O profissional do futuro vai ter que ser muito focado em entender temas como inteligência artificial, nuvem, blockchain, porque até a maneira de se desenvolver softwares vai ser diferente. Por isso, acredito que esse profissional terá que ser rápido nessa atualização. O que se espera é que ele não estacione, não fique estagnado em um conhecimento. O mercado vai buscar muita gente com conhecimento em inteligência artificial, machine learning e tecnologias relacionadas a nuvem.

PC: Esse já é um conselho para homens e mulheres que querem ingressar na carreira em TI: começar a estudar essas tecnologias.

Sim. E se eu estivesse começando nessa carreira hoje, trabalharia como cientista de dados. A quantidade de dados estruturados e não estruturados que está sendo gerada no mundo digital é tão grande que, cada vez mais, vamos precisar de pessoas que entendam esses dados e os transformem em informação valiosa para os negócios das empresas. Esse é um profissional bem difícil de se encontrar e, seguramente, o mercado está muito necessitado. A cada momento, a quantidade de dados aumenta, especialmente os não estruturados, ou seja, informações que não estão em tabelas e planilhas, coisas que estão escritas em documentos, que foram publicadas em jornais ou na internet, em redes sociais, que são faladas em videoconferências, ou seja, dados relevantes que não estão estruturados [não estão organizados para ser recuperados]. E hoje existem formas de analisar esses dados e estruturá-los para extrair conteúdo deles. Por isso, essa é uma profissão que se torna cada vez mais valiosa.

PC: Qual a importância da comunicação em um universo tão estigmatizado por ter profissionais introvertidos, como o de TI, que só entendem de computador?

Hoje em dia, especialmente os profissionais de tecnologia, tendem a viver nesse mundo virtual, seja porque estão desenvolvendo um sistema, seja por se comunicarem somente via rede social. Mas a comunicação é cada vez mais importante. Muitos problemas poderiam ser resolvidos mais facilmente se as pessoas se comunicassem de forma mais eficiente. Acredito que as pessoas mais introvertidas devem trabalhar esse lado e aprender a expor suas opiniões.

Quando dou palestras sobre comportamento, digo que pessoas mais introvertidas que não gostam de falar em público devem entender que há determinados assuntos que ninguém vai dominar mais do que elas próprias. Então, elas não devem ter medo de falar a respeito. Acredito que ninguém deveria guardar suas opiniões ou conhecimento para si. Por mais introvertida que a pessoa seja, ela deve trabalhar essa soft skill, porque, quando se tem um problema profissional e não se comunica na velocidade necessária, isso pode gerar um problema maior no seu projeto e na vida profissional. Acho até que, para crescer na carreira, é preciso não só fazer, mas falar e mostrar o que você faz de bom. As pessoas precisam saber o quão bom você é.

PC: O que é sucesso para você?

Ser feliz fazendo o que se gosta, tanto profissional quanto pessoalmente. Acredito que é preciso trabalhar em um ambiente em que você se sinta bem, em que seja feliz na maior parte dos dias. Quando se consegue isso, o resto vem como consequência, tanto o reconhecimento financeiramente, quanto o cargo… Quando se trabalha com empolgação, alegria, a vida flui tranquilamente. Parece uma fórmula mágica, mas não é.

Eu ainda tenho muito a aprender, mas me considero uma pessoa bem-sucedida, porque sou feliz com o que eu faço e encontrei um equilíbrio entre a minha vida profissional e pessoal em que não me cobro tanto. Para mim, sucesso é encontrar esse equilíbrio. Meu conselho para quem está começando é: dê valor ao que você faz. Não seja o tipo de pessoa que acorda para ir trabalhar e passa o dia reclamando da empresa. Tudo é uma questão de escolha. Então, tire proveito disso. Seja feliz com o que você faz.

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