O gargalo de todas as empresas de tecnologia, esse é o tema do artigo de hoje, escrito por Marcell Almeida
Sabe qual é o problema da maioria das empresas? Elas acham que podem melhorar sua performance como um todo ao otimizar individualmente partes da empresa.
Pareceu confuso? Vou explicar melhor.
Para começar é preciso ter em mente que todo sistema tem um gargalo pior do que os outros, portanto, o desempenho de qualquer sistema é limitado pelo seu pior gargalo. Em outras palavras, a resistência de uma corrente é igual à resistência de seu elo mais fraco. Basta que um elo se rompa para que a corrente se torne inútil.
Empresas de tecnologia no Brasil: Um exemplo
Vou dar um exemplo. Imagine que você é dono de uma padaria e percebe que sempre tem clientes insatisfeitos pela demora na fila do caixa. A sua primeira ideia é aumentar a quantidade de caixas disponíveis, certo?
Mas será que o problema está de fato ali? Ou será que é porque a internet da máquina do cartão de crédito está ruim? Será que seu público prefere pagar em dinheiro e está faltando troco?
Será que, na verdade, a pessoa responsável pelo caixa está sem treinamento e demorando muito? São muitas possibilidades. Adicionar mais um caixa talvez seja uma solução local ótima e não necessariamente uma solução global – seria necessário investigar.
Mas o que isso tem a ver com o gargalo das empresas de tecnologia? Tudo. Pense como elas, em via de regra, funcionam. De um jeito simplório funciona assim: os executivos se reúnem e decidem que é a hora da empresa melhorar a métrica “XPTO”. Logo em seguida é feito um anúncio para a empresa inteira dizendo que a prioridade número 1 é a métrica “XPTO”.
Empresas de tecnologia no Brasil: E o que acontece?
O modelo clássico de cascatear os objetivos por todas as áreas da empresa. Com isso, cada líder começa a priorizar iniciativas que impactam esta métrica e é justamente aí o problema. Nessa hora que a cascata é feita, cada área da empresa, muitas vezes, olha somente para as suas métricas e pensam somente nas melhorias locais, das suas áreas individualmente e não no todo.
Os OKRs ajudam a mitigar isso por meio de alinhamentos, check-ins mensais e até os famosos “Shared OKRs“. Entretanto, isso não resolve o problema, afinal o viés de pensar em metas da sua própria área é maior (principalmente se isso contar na avaliação de desempenho do colaborador).
Isso é uma doce ilusão que os executivos possuem – principalmente aqueles que nunca estiveram executando no dia a dia e possuem uma falta de sensibilidade com a realidade.
Empresas de tecnologia no Brasil: Mais um exemplo
Vamos a mais um exemplo. Imagine uma startup ali pelos seus Series D ou E. Ela está bombando. Todo mundo quer trabalhar lá. Uma vaga aberta tem mais de 2.000 aplicações. Incrível!
Agora, para fins ilustrativos, imagine que essa startup sexy é um marketplace B2B2C – e, naturalmente, as áreas que mais demandam para Produto e Engenharia são Marketing e Comercial. Como já é de se imaginar, existe muito mais demanda, ideias de projetos e coisas que são “must-have” do que a engenharia consegue construir a tempo.
É nessas horas que o bicho pega – se engenharia virou gargalo então o que as outras áreas vão fazer? E a área de produto e design? Elas vão trabalhar em projetos que serão feitos depois de 6 meses ou 1 ano? Até começarem a implementar vai às necessidades do mercado podem estar defasadas.
Empresas de tecnologia no Brasil: E por que isso acontece?
Porque as empresas operam sob uma regra universal do mercado de trabalho: “esteja ocupado.” E não algo como “Otimize ao máximo seu tempo e esforço”. Com isso, as pessoas precisam estar ocupadas produzindo coisas que, em sua maioria, não serão utilizadas, pois até chegar a hora de ser desenvolvido já ficou datado ou as prioridades mudaram.
Mas também não dá para culpar os middle managers, afinal, eles não podem ter um recurso subutilizado. E também não dá para culpar os funcionários, até porque não tem nada pior do que estar num emprego onde parece que você tem pouca coisa pra fazer – a culpa mesmo é da alta liderança (C-levels, diretores, etc).
Enquanto a engenharia está com gargalo, as outras áreas resolvem criar mais projetos – e, obviamente, tem de tudo. Desde ideias “inovadoras” até estudos que podem ser relevantes.
Mas a verdade é que isso gera ainda mais problemas, porque esses novos projetos eventualmente se tornarão demandas para engenharia e produto. E por mais que você tenha equipes maduras na área de tecnologia que saibam dizer não, ficar dizendo não, analisando demandas e participando de reuniões é extremamente desgastante e leva tempo que poderia estar sendo alocado em coisas mais produtivas.
Empresas de tecnologia no Brasil: A frustração
Quando as empresas chegam nesse ponto, todo mundo começa a ficar frustrado, os resultados começam a atingir um platô, nenhum produto é lançado e o “management team” sente a necessidade de fazer algo.
E o que eles fazem? Se tiverem funding (lembrem que é uma startup sexy e com várias rodadas de investimento), vão contratar mais gente. Genial! Agora o gargalo é ainda maior. Porque além de ter o gargalo antigo, você adicionou pessoas que ainda vão precisar passar pela curva de aprendizado e você nem sequer resolveu o primeiro gargalo.
Lembra da premissa do início do texto? Todo sistema tem um gargalo pior do que os outros, portanto, o desempenho de qualquer sistema é limitado pelo seu pior gargalo.
É por isso que temos pessoas ficando exaustas de tantas videochamadas, pessoas se sentindo miseráveis nas empresas, gente com anos de experiência sem cases para relatar – tudo isso porque as empresas são ineficientes e acreditam que a forma de serem mais eficientes é contratando.
Empresas de tecnologia no Brasil: Os gestores
Os gestores esquecem que precisam resolver o maior gargalo de todos antes de pensar em otimizações locais dos gargalos menores – e não, nem sempre é contratando mais gente que você resolve o principal gargalo.
Qualquer otimização que não seja no gargalo é perda de recursos. Você conseguirá ter belas apresentações, projetos incríveis e projeções promissoras. Mas o produto na rua que é bom, não.
Procure otimizações globais antes de sequer pensar em otimizações locais. Pode parecer bobo, mas fazer exercícios como os “5 porquês” pode ajudar a identificar os gargalos e ajudar você nessa priorização. Ao perguntar “por que” cinco vezes sempre que encontrar um problema, a natureza do problema, assim como sua solução, se torna clara.
Empresas de tecnologia no Brasil: Sobre Marcell Almeida
* Marcell Almeida é CEO e co-fundador da PM3, empresa referência em cursos de gestão de produto no Brasil. Com passagem por empresas como Nubank, Easy Taxi, VivaReal, Seek e Intuit, Marcell possui mais de 10 anos de experiência com gestão de produtos em empresas de rápido crescimento.
Além de empreendedor, Marcell é investidor-anjo e, em 2021, foi convidado para o programa Google For Startups Accelerator. Formado em Ciência da Computação pelo Centro Universitário do Estado do Pará, participou do HBX Core, programa de negócios da Harvard Business School que engloba Business Analytics, Economics for Managers e Financial Accouting, e ainda, cursou a graduação de Ciência da Computação em Western Michigan University.
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