E se criássemos uma seleção só para brancos?

Programa de trainee para negros

Programa de trainee para negros: e se fosse um processo apenas para brancos? Esse é o tema do artigo de hoje, escrito por Luiz Augusto Campos, professor de sociologia do IESP-UERJ e Coordenador do GEMAA (Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa) sobre o processo de trainees exclusivo para negros da rede varejista Magazina Luiza.

Causou polêmica a divulgação de um programa seletivo para trainees negros e negras, criado e divulgado pela rede varejista Magazine Luiza. Apesar de ser uma estratégia já utilizada por outras empresas com atuação no Brasil, e de ser uma praxe em grandes empresas nos Estados Unidos, o processo seletivo foi acusado de racista, discriminatório e, portanto, ilegal.

Programa de trainee para negros: racismo?

Tais reações mostram a incompreensão, ainda comum, em relação ao funcionamento do racismo e, sobretudo, das políticas antirracistas contemporâneas. Grosso modo, existem duas formas institucionais de mitigar o racismo: através de leis punitivas e das chamadas políticas afirmativas. Se no primeiro caso o foco recai sobre a punição de atitudes localizadas e explicitamente discriminatórias, no segundo busca-se compensar as consequências dessas atitudes racistas na estrutura social como um todo.

Embora leis punitivas sejam fundamentais, elas raramente são aplicadas porque demandam a verbalização de intenções racistas por parte de quem discrimina, algo raríssimo. Por isso, o Brasil seguiu uma tendência mundial ao implantar ações afirmativas raciais em diversas esferas como o ensino superior, os concursos públicos e, mais recentemente, a distribuição de financiamento eleitoral para candidaturas pretas e pardas. Essas medidas buscam abrir espaços para os grupos discriminados historicamente como forma de compensar o preconceito sistemático que eles sofrem no mercado de trabalho e nos espaços de poder.

Programa de trainee para negros: e os postos de comando?

Ainda que mais da metade dos funcionários da Magazine Luiza se autodeclarem pretos ou pardos, seus postos de comando continuam majoritariamente brancos. Nada mais legítimo, portanto, que a empresa busque diversificar esses espaços criando cotas raciais para esses jovens. Note-se que a seleção em tela não difere em quase nada das políticas afirmativas existentes em quase todas as universidades públicas brasileiras. Nelas, estudantes pretos e pardos competem apenas entre si e não com os demais.

Isso quer dizer que o Magazine Luiza está abrindo margem para que outra empresa lance uma seleção apenas para brancos? Absolutamente, não! A lei brasileira considera passível de punição “quem, por motivo de discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, obstar a promoção funcional [ou] negar ou obstar emprego em empresa privada”. A seleção de trainees em debate não nega ou obsta o emprego de nenhum grupo discriminado por sua raça ou cor, apenas de um grupo já privilegiado na sociedade e na própria empresa: os brancos.

Programa de trainee para negros: para brancos seria racismo?

Um processo seletivo voltado apenas para brancos seria sim racista e ilegal por obstar o acesso de grupos discriminados e vítimas de preconceito a uma empresa privada. Pessoas percebidas como brancas no Brasil não são alvo de discriminação racial sistêmica, ao contrário: elas se beneficiam da estrutura racista brasileira. A eventual concessão de mais privilégios a esse grupo não apenas seria injusta, mas também uma prática racista e, portanto, ilegal.

Luiz Augusto Campos é professor de Sociologia do IESP-UERJ e coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA)

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O Magalu, uma das melhores empresas para trabalhar no Brasil, de acordo com o Great Place to Work Institute, abre inscrições para seu programa de trainee 2021. A edição deste ano tem um formato inédito: aceitará apenas candidatos negros. O objetivo do Magalu com o programa é trazer mais diversidade racial para os cargos de liderança da companhia, recrutando universitários e recém-formados de todo Brasil, no início da vida profissional.