O que é psicopedagogia? – sensibilidade é a chave

O que é psicopedagogia
A psicopedagoga Denise Mineiro fala sobre as delícias e desafios de sua profissão

O que as emoções têm a ver com a aprendizagem? A psicopedagogia explica. E para esclarecer o que é exatamente essa tal de psicopedagogia, além de revelar as oportunidades e desafios da profissão, o PraCarreiras entrevistou uma superespecialista no assunto. A psicopedagoga Denise Mineiro atua há 17 anos na área clínica e observa que ainda existe uma certa confusão quanto ao campo de atuação desse profissional. “As pessoas confundem o psicopedagogo com um professor particular (…). A psicopedagogia atua quando existem entraves emocionais que impedem uma pessoa de aprender”, explica.

“Coisa de alma”

Na década de 1990, Denise era formada em pedagogia e atuava como professora. “A didática e a organização estão no meu sangue. Decidi estudar pedagogia porque era uma coisa de alma, um propósito de vida”. Já nessa época, se interessava pelo funcionamento da mente durante o processo de aprendizagem, mas foi uma razão muito mais particular que a colocou diante da psicopedagogia. Seu primeiro filho foi diagnosticado com uma série de distúrbios que o impediam de se desenvolver na escola. “Ele não conseguia juntar as sílabas, portanto, não conseguia ler, não parava na cadeira. Mudou muitas vezes de escola, repetiu o ano…”, relembra Denise, que, na época, contou com uma equipe de profissionais – entre eles, um psicopedagogo –, liderada pelo famoso psiquiatra Içami Tiba, para cuidar de seu filho.

“Encantei-me pela psicopedagogia porque percebi que, por meio de um processo terapêutico, é possível conduzir a aprendizagem da criança de uma maneira mais leve, observando as necessidades dela. Foi então que decidi me especializar nessa área”.

Confira a entrevista completa a seguir.

Qual é o salário de um psicopedagogo? A média salarial para a profissão no Brasil é de R$ 3.010 (Fonte: Vagas).

PC: O que é psicopedagogia? Como você “traduziria” a profissão para alguém completamente leigo?

É uma profissão que ainda não foi regulamentada e que trabalha com transtornos e distúrbios de aprendizagem de qualquer natureza. Podem existir entraves emocionais que impedem uma pessoa de aprender. E a psicopedagogia vai tratar desses entraves. Existe um curso de formação e quem o faz pode trabalhar em escolas, em hospitais ou fazer trabalho clínico.

PC: O psicopedagogo também atende adultos ou apenas crianças?

Podemos atender desde a fase escolar, na faixa dos cinco anos até a fase adulta.

PC: O que te atrai nessa profissão? O que te motivou a se tornar pedagoga e se especializar em psicopedagogia e, depois, em psicomotricidade?

A pedagogia me atrai desde criança. Sempre gostei de brincar de escolinha, de ser a professora nas brincadeiras. A didática e a organização estão no meu sangue. E decidi estudar pedagogia porque era uma coisa de alma, uma missão, um propósito de vida. Trabalhei durante muitos anos em escola: comecei como auxiliar de uma professora, me tornei professora titular de classe, fui assistente de orientação e, depois, coordenadora. Especializei-me na metodologia de como ensinar uma criança a ler – há 30 anos, quando não existia a neurociência – porque queria entender as conexões que o cérebro fazia, se primeiro a criança aprendia a ler ou a escrever… Assim, uma das minhas especialidades dentro da pedagogia é a leitura e a escrita.

Depois que me casei, tive meu primeiro filho, que foi diagnosticado com transtorno de atenção, hiperatividade, impulsividade e transtorno de ansiedade. Não conseguia juntar as sílabas e, portanto, não conseguia ler, não parava na cadeira. Mudou muitas vezes de escola, repetiu o ano… Quem fez o diagnóstico do meu filho foi o psiquiatra Içami Tiba, que montou uma equipe multidisciplinar para trabalhar com ele – inclusive com uma psicopedagoga. Encantei-me pela psicopedagogia. Percebi que, por meio de um processo terapêutico, é possível conduzir a aprendizagem da criança de uma maneira mais leve, observando as necessidades dela. Foi então que decidi me especializar em psicopedagogia. De 20 anos para cá, deixei a instituição em que trabalhava e passei a atender em consultório, para orientar as famílias e fazer um bom diagnóstico.

PC: O que significa fazer um bom diagnóstico?

O diagnóstico é o mais importante na psicopedagogia, para conduzir, da melhor forma, a questão que a criança apresenta. E, muitas vezes, essa criança só precisa de um ajuste. Às vezes, há apenas uma falta de comunicação entre quem ensina e quem aprende. Depois do processo com o meu filho, fiquei parceira do Doutor Tiba, trabalhei com ele por mais de doze anos e aprendi muito com ele.

PC: Quais você acredita que são as principais dificuldades para ser bem sucedido nessa área?

A dificuldade é sempre a escuta. É preciso ter muito equilíbrio para saber escutar a dificuldade do outro e conduzir da melhor maneira possível. Ainda por telefone, quando a família entra em contato, tenho que saber ouvir, de maneira sutil, fazendo as perguntas assertivas, pedindo alguns materiais para fazer análise. Quando eles chegam ao consultório, proponho reunir todo esse material para a análise e monto um projeto, explicando do começo ao fim o que será feito com a criança. Mas, para isso, é preciso ter muita segurança sobre aquilo que estou ouvindo. Por isso, uma das coisas mais importantes para o profissional é ter uma boa capacitação. O mundo está tão materialista, as pessoas estão tão preocupadas em ter um bom carro ou um bom material de trabalho… E quando os pais terceirizam um trabalho, é importante que tenham confiança no profissional que estão selecionando para seus filhos.

PC: A psicopedagogia é uma profissão relativamente nova. As pessoas que procuram o seu trabalho já sabem diferenciá-la da pedagogia ou ainda fazem confusão?

Muitas vezes, eu percebo que as pessoas confundem o psicopedagogo com um professor particular. Às vezes, os pais nem sabem qual é a área de atuação e o propósito desse profissional. Por isso, no meu site, deixo bem explicado: se eu for trabalhar a arte de orientação de estudos, por exemplo, esse é um caminhar pedagógico. O psicopedagogo é aquele que faz a ponte entre a criança e a escola; ou da criança com a família e com os diversos profissionais que interagem com ela.

PC: E como se dá exatamente a construção dessa “ponte”?

Eu não acredito em nada que seja represado dentro do consultório. Então, quando se colhe a informação, a queixa da família em relação ao que a criança ou o adolescente está passando, é preciso direcionar. Se a questão é na escola, por exemplo, eu vou até lá para conversar com os profissionais da instituição. Tem uma coisa em que o psicopedagogo auxilia muito, que é o processo de autoconhecimento. Eu adotei uma metodologia baseada em três observações: o estilo de aprendizagem (visual, auditivo ou sinestésico); como ela se comporta (se é de maneira mais racional ou emotiva); e quais são as maiores habilidades dela.

A partir daí, fica muito mais fácil saber como ajudá-la. Dependendo de como ela aprende, é possível saber como é a leitura, a escrita, a comunicação, a criação, a memória… Se é, por exemplo, um aprendiz sinestésico, que aprende a partir dos movimentos, preciso avisar a escola e sugerir técnicas de aprendizado e até uma posição diferente para sentá-lo na sala de aula. Se for um aluno visual, sugiro trabalhar com mapas mentais, sinalizadores, marcadores coloridos. Existem várias dicas dentro dessa metodologia que podem ajudar o aluno a se desenvolver melhor.

PC: Você pode compartilhar alguma história de superação que considere interessante nesses 20 anos de psicopedagogia?

Um é o caso de um menino de três anos e dois meses, indicado pela escola, porque não parava sentado e recomendou-se que fosse medicado. Não existe nenhum tipo de teste padrão que mensure o nível de atenção ou cognitivo de uma criança dessa idade. Mesmo assim, me propus a fazer, e descobri que o menino tinha altas habilidades. Não tinha como medir o QI, devido à pouca idade, mas ele fazia contas de cabeça muito rapidamente e já falava as cores em inglês.

O pai, nessa época, recebeu uma proposta para ir trabalhar em Miami e eu sugeri que ele fosse e levasse a família. Desaconselhei a medicação, porque iria torná-lo uma criança apática, que não iria mostrar o melhor dela. E o orientei a alfabetizá-lo em inglês, depois em português. Ele foi alfabetizado em inglês em cerca de cinco meses e uma tutora, em Miami, o alfabetizou em português, em nove meses. Quando tinha cinco anos, começou a escrever um livro.

Ou seja, se o profissional faz um diagnóstico errado ou se não tem o cuidado de olhar a necessidade da criança e da família, tudo pode dar errado. Outro caso, foi o de um menino de nove anos que tinha perdido a mãe, o pai não tinha como ficar com os três filhos e mandou esse para um colégio interno na Suíça. Mas o menino não estava feliz lá. O pai me procurou e eu o aconselhei a trazê-lo de volta. Ele tinha transtorno de atenção e tomava Ritalina. Nós montamos uma equipe e fizemos um trabalho de um ano e pouco, realizando todo o ajuste e hoje ele é um grande chef de cozinha.

“A tendência é que a área cresça muito, pois as famílias estão desnorteadas, precisando de orientação e acolhimento”.

PC: Você acredita que essa é uma carreira que tem mercado? Vê a psicopedagogia crescendo como profissão em um futuro próximo?

Sim. Principalmente porque, infelizmente, nosso país vem enfrentando dificuldades, com tantos redesenhos familiares, famílias pouco estruturadas e muita dificuldade de relacionamento. As pessoas, de modo geral, estão muito esvaziadas emocionalmente. Tivemos sete casos de suicídio entre jovens, de dois anos para cá. Então, a tendência é que a área cresça muito. As famílias estão precisando de muita orientação e acolhimento, porque estão muito desnorteadas. Quando os filhos nascem é aquele auê, depois, as crianças vão crescendo e os pais vão terceirizando. Isso eu digo porque atendo pessoas de classe média, média alta e alta.

Esses dias, uma criança estava na sala de espera do meu consultório com um livro de história na mão e não o virava. Eu perguntei se ela não queria ver o que tinha atrás e ela esperou a babá virar. Pedi que ela mesma virasse o livro e ela deslizou o dedo na página como se fosse passar uma foto no celular. Com muito pouca autonomia e disponibilidade interna para ir para a vida. E quando chegam a pré-adolescência, sofrem muito bullying e as escolas também estão com muita dificuldade em informar e formar. Dessa forma, o psicopedagogo não vai tratar apenas da emoção, mas também identificar como a emoção está interferindo no processo de aprendizagem. Então, tenho certeza de que a profissão vai crescer muito.

PC: Que características são importantes para que um profissional seja bem sucedido como psicopedagogo?

Primeiramente, a pessoa precisa se conhecer, saber qual é a sua missão, o seu propósito. Não adianta ir para a área por achar que vai ganhar dinheiro. Precisa ter a disponibilidade de ajudar e ter empatia, ou seja, saber se colocar no lugar do outro, porque esse outro tem uma dor emocional. Muitas vezes, os pais nos procuram, mas não sabem dizer por que estão ali. Por isso, é importante que esse profissional saiba direcionar a dificuldade do outro e, para que seja capaz de fazer isso, deve estudar muito. Hoje, nós temos a contribuição da neurociência, então além de um bom curso de psicopedagogia, o profissional deve ter esses estudos complementares para ajudá-lo.

PC: Você atua com a psicopedagogia em três áreas: institucional, familiar e internacional. Em que outras áreas o psicopedagogo pode atuar?

Na área hospitalar, por exemplo, com pessoas que passaram por algum problema neurológico, ou na parte da oncologia, onde há muitas crianças que perderam o prazer de aprender, às vezes, por passarem muito tempo no hospital. Então, os psicopedagogos estimulam as crianças, porque a aprendizagem exige muito estímulo cognitivo. E algumas delas, dependendo da doença que têm, sentem mais dificuldade. Hoje em dia, muitos psicopedagogos atuam dentro das escolas. Antigamente, só havia o pedagogo e o psicólogo.

PC: O que é sucesso na sua visão? Considera-se bem sucedida?

Para mim, o sucesso está muito ligado à saúde. Estar saudável fisicamente e emocionalmente contribui para que as pessoas tenham sucesso. E não adianta cuidar do sono do meu paciente se eu não durmo bem. Não adianta pedir para o aluno cuidar da alimentação, ter planejamento e orientação se eu mesma não o faço. Então, primeiramente, devo enviar uma mensagem assertiva para mim, cuidar de mim, ter sucesso nas minhas escolhas, para que meus pupilos possam me seguir como exemplo ou fonte de inspiração. Tenho muitos pacientes que são bem sucedidos hoje, talvez por terem-se inspirado ou participado de algum projeto meu. Considero-me uma pessoa de sucesso porque hoje sobrevivo da minha profissão, me garanto com o meu trabalho e sei que faço esse trabalho com muito amor e satisfação. Tenho brilho nos olhos para trabalhar e isso, para mim, é o que garante o meu sucesso.