Desde que a tecnologia transformou a maneira como quase todos nós trabalhamos, o profissional de RH ganhou uma grande aliada em sua principal – e mais complexa – tarefa. “Com a automação e a tecnologia certa é possível reduzir muito o tempo do processo seletivo e trazer muito mais assertividade”, explica Mônica Hauck, CEO da Solides, uma empresa especializada em software para identificação de perfis comportamentais. A ferramenta é utilizada por profissionais de RH, coaches e educadores em processos de contratação, gestão e desenvolvimento de pessoas. “Se reduz drasticamente a leitura daquele monte de currículos, as dinâmicas, as entrevistas, porque a nossa tecnologia entrega velocidade e assertividade juntas”, completa.
Nessa entrevista, Mônica fala sobre os principais desafios que o profissional de RH terá daqui para frente e como se preparar para o futuro da profissão. Além disso, diz como as empresas devem se comportar para atrair os melhores talentos e quais as novas tendências de recrutamento. “Nós entramos, definitivamente, em uma era em que todos os setores das empresas vão ser geridos por dados. […] Não tem mais como o RH ficar de fora de uma gestão mais estruturada, focada em dados, especialmente a automação”.
Quanto ganha um gestor de RH? A média salarial desse profissional é R$ 5.333 por mês (Fonte: Glassdoor)
PC: Você é formada em História, certo? Como surgiu o seu interesse pela gestão de pessoas?
Eu sempre gostei muito de áreas ligadas a psicologia, sociologia e antropologia e, dos cursos que eu pesquisei, História foi o que mais me proporcionaria contato com esses conhecimentos. Na época, eu não sabia, mas isso me ajudaria muito com a gestão de pessoas. Principalmente a observar o comportamento das pessoas de forma coletiva. Então, quando penso em comportamento humano nas empresas, o olhar de historiadora me ajuda muito, no sentido de tentar encontrar padrões, de entender comportamentos coletivos.
PC: Então, hoje você consegue utilizar a sua formação em história na gestão de pessoas. É interessante como essas duas profissões podem se relacionar e a gente nem imagina.
Sim. Uso demais. Eu nunca tentei ser professora de História. O que eu procurei na faculdade está muito próximo da sociologia e da antropologia. São ciências que contribuem muito para a gestão de pessoas. Quando vou falar de cultura, de gestão, trago bastante conhecimento das ciências humanas de forma geral. O profissional padrão de RH geralmente é formado em psicologia, administração… A psicologia trata do indivíduo, e eu trago o olhar do coletivo, do comportamento desse indivíduo na coletividade.
PC: Como a ideia da Solides surgiu na sua trajetória?
Na verdade, eu já tinha uma empresa de tecnologia. O meu primeiro negócio de tecnologia não foi na área de RH. Eu tinha uma empresa que desenvolvia softwares para agronegócios. Mas, a partir de um gosto pessoal, meu sócio e eu começamos a pesquisar o comportamento humano. Essa pesquisa, que começou como uma curiosidade, virou paixão e, quando nos demos conta, tínhamos desenvolvido uma ferramenta de mapeamento comportamental, com 97,7% de acurácia.
Quando nós a mostramos para o mercado, descobrimos que tínhamos um negócio na mão. Foi quando começamos a trabalhar com a gestão de pessoas. Imediatamente começamos a conversar com profissionais de RH e foi paixão à primeira vista. Alguns anos depois, tive que optar, porque quando me dei conta, estava colocando meu foco todo nessa área de gestão de pessoas. Decidi não continuar com o agronegócio.
PC: E você chegou a direcionar a sua formação para essa área?
Entrei na gestão de pessoas graças à ferramenta de mapeamento comportamental que nós desenvolvemos. Isso é muito legal, porque essa entrada não convencional nos deu um olhar não convencional também. Então, eu nunca tive os vícios que, às vezes, um profissional clássico de gestão de pessoas tem. Nós conseguimos entrar nesse mercado com uma visão diferente. Tínhamos o background de tecnologia, mas tudo o que começamos a aprender sobre gestão de pessoas nos fez criar algo com um padrão diferente do que existia no mercado.
PC: Tenho notado que muitos profissionais acabam direcionando suas carreiras para áreas diferentes de suas formações. Você acredita que é uma tendência?
Acredito que é uma tendência e acho isso muito rico. Hoje, cada vez mais, as empresas têm percebido as vantagens de ter um time multidisciplinar. E, se você está em um ambiente em que é preciso pensar diferente para trazer soluções diferentes, precisa de um olhar não convencional. Então, trazer pessoas com outros conhecimentos, outros backgrounds é muito interessante. A forma como nós estamos absorvendo conteúdo e como temos nos formado profissionalmente tem mudado muito. Hoje em dia, dentro das carreiras, tem uma camada de especialização, mas também tem uma camada de conhecimento genérico. Então, cada vez mais, vamos ter, em um mesmo ambiente, pessoas de formações distintas tentando resolver o mesmo problema.
PC: No caso da Solides, a tecnologia é uma aliada. Mas a tecnologia também traz desafios para a gestão de pessoas?
O desafio é muito maior na ausência da tecnologia. O grande desafio que eu percebo quando converso com os profissionais de RH é essa mudança de cultura, de mentalidade. Historicamente, até pouco tempo atrás, o trabalho do profissional de RH era muito manual, ele trabalhava com processos não automatizados, tinha uma forte questão de subjetividade, de feeling.
E, agora, nós entramos, definitivamente, em uma era em que todos os setores das empresas vão ser geridos por dados. O RH, o marketing, o financeiro… não tem mais como o RH ficar de fora de uma gestão mais estruturada, focada em dados, especialmente a automação. Então, a maior dificuldade é fazer a transição desse profissional que ficou tanto tempo trabalhando de forma não automatizada, sem padrões, e transportá-lo para esse novo RH, que é muito mais estratégico. A maior barreira que nós temos hoje é mesmo cultural.
PC: Então, com o uso da tecnologia, o RH tornou-se muito mais preciso.
Nós temos casos aqui na Solides em que conseguimos reduzir em até 70% o tempo de um processo seletivo. É claro que isso varia de acordo com a forma como o RH conduz o processo, mas com a automação e a tecnologia certa é possível reduzir muito o tempo do processo seletivo e trazer muito mais assertividade. Então, se reduz drasticamente a leitura de currículos, dinâmicas, entrevistas, porque a nossa tecnologia entrega velocidade e assertividade juntas. Como nós trabalhamos mapeando os padrões comportamentais, e a maioria das demissões nas empresas acontecem por causa do comportamento, nós conseguimos colocar o que é mais importante na frente durante o processo seletivo, de forma automática e com um índice de precisão muito grande. Então a gente ajuda o RH a não errar.
PC: Quais serão, na sua opinião, os principais desafios que a área de recursos humanos terá no futuro? Como o profissional de RH deverá se preparar para essas mudanças?
Nós estamos no meio de uma revolução industrial, em que tudo o que puder ser automatizado vai ser. Vamos ter a criação de novas profissões e de novas habilidades que nós nem imaginamos que existem e tudo isso vai acontecer muito rápido. Então, nós vamos ter que aprender e desaprender muito rapidamente. E depois reaprender. Isso impacta diretamente na forma como o RH faz recrutamento e seleção, em como ele treina um time e até em como ele busca profissionais. Cada vez mais o conhecimento adquirido não virá de uma universidade, de forma padrão e tradicional. A tecnologia tem ajudado a trazer essa mudança. As pessoas têm passado menos tempo no ambiente de trabalho e o conhecimento que antes nos passavam para executarmos nossas funções tem mudado. Tudo mudou, então agora o RH precisa ser muito mais dinâmico, estratégico e inovador.
PC: A tecnologia não substitui o trabalho do profissional de RH. Assim, que características esse profissional deve ter para que seja o casamento perfeito com a tecnologia?
No nosso caso, a tecnologia potencializa o trabalho do RH. Mas, ao mesmo tempo, ela entrega uma infinidade de ofertas que impactam diretamente o dia a dia desse profissional. Acredito que os skills que o profissional de RH deve ter é essa capacidade de aprender e desaprender muito rapidamente e a capacidade de arriscar mais, testando novas práticas. Historicamente, o profissional de RH é muito tradicional. E acho que nessa nova economia, em que nós temos menos tempo e as coisas mudam mais depressa, faz sentido testar mais, arriscar mais, experimentar coisas novas e, principalmente, ter esse olhar de futuro.
Nós temos, até hoje, um padrão de aprendizado muito focado no passado, na experiência. E com a nova economia, faz sentido aprendermos mais com o futuro. E é estranho, afinal, como aprender com o futuro? Exatamente pensando nas práticas de um mundo que ainda está sendo construído. Observar tendências, mudanças de comportamento… Esse olhar mais voltado para o futuro vai fazer toda a diferença para o profissional de RH.
PC: Muitas empresas ainda não aderiram às novas formas de gerir seu capital humano e estão muito apegadas aos métodos antigos, de controle e rigidez. Você acredita que essa realidade está mudando?
Eu acredito que isso varia de acordo com os setores da economia em que se está inserido. Os setores mais tradicionais ainda vão ter um tempo para se adaptar, mas, invariavelmente, todas as empresas terão que se adaptar, se quiserem pegar os melhores talentos. O que acontece é que há uma disparidade muito grande: existe a ausência de talentos, e, paradoxalmente, uma taxa de desemprego altíssima no país. Então, se as empresas quiserem obter os melhores candidatos terão que desenvolver uma nova forma de gestão de pessoas.
Agora, as empresas não só escolhem, elas também são escolhidas. Todo mundo está conectado e a conectividade não abrange só uma camada da população: da classe A a classe E todo mundo está conectado pelo celular e pode pesquisar sobre a empresa, ver o que acha sobre ela. As novas gerações fazem seu próprio processo seletivo, são elas que escolhem onde querem trabalhar. Então, se você não tem as melhores práticas, os melhores padrões de gestão de pessoas, não será escolhido e não terá os melhores profissionais.
PC: Qual é, na sua opinião, o segredo para ser bem-sucedido em qualquer carreira?
Essa é a pergunta de um milhão de dólares (risos). Vou dizer o que tem funcionado comigo. Existe um mantra, que é até um grande clichê, que diz “faça aquilo que ama”. E não tem vaga para todo mundo fazer o que ama. A conta não fecha. Na minha opinião, se você aprender a amar aquilo que faz, você cria uma relação diferente com o trabalho. Pensando até mesmo na minha própria história, nunca imaginei que um dia fosse empreender na área de tecnologia. Já trabalhei em bancos e tive outras experiências profissionais e nenhuma delas foi parte de uma construção de carreira padrão.
Mas uma coisa que eu observei foi que rapidamente eu aprendia o que estava fazendo e me apaixonava. E quando você se dispõe a se apaixonar pelo novo, que, às vezes, não é o que você planejou, sua relação com esse trabalho muda e, consequentemente, o resultado também. Eu não amava tecnologia, mas apareceu uma oportunidade, comecei a trabalhar e fiquei apaixonada. Então, em vez de procurar fazer o que você ama, procure amar o que você faz. Isso muda radicalmente a construção da carreira e abre a cabeça para várias coisas. O olhar muda, você descobre muitas coisas e começa a se relacionar de forma muito mais intensa com aquilo que você faz.