Profissão de confeiteiro
Quando chegou a São Paulo, na década de 1970, o pernambucano Luiz Farias era praticamente criança. Seu pai – antes rico – havia passado por problemas financeiros em sua terra natal, faliu, e então decidiu levar a família para a capital paulista, onde as perspectivas econômicas pareciam mais promissoras. Nessa entrevista, ele vai nos contar como é a carreira em confeitaria.
Assim, para ajudar os pais, aos 15 anos, o pequeno Luiz conseguiu trabalho atrás do balcão de uma padaria, na zona norte. Por causa de sua estatura, precisava subir em um caixote para atender os clientes.
Mas a vontade de crescer – no tamanho e como profissional – fazia com que o menino fosse além de suas atribuições: “Eu tinha muito interesse em aprender e de ser um grande profissional.
Depois do trabalho, em vez de voltar para casa, ia para os fundos da padaria, para lavar a cozinha”, relembra ele, que hoje é gerente nacional de serviços e atendimento ao cliente da Academia Bunge.
Força de vontade: o combustível para o sucesso na carreira em confeitaria
A garra e a vontade de aprender levaram Luiz muito mais longe do que ele tinha imaginado.
Só para ilustrar, além de cursar confeitaria, panificação e gastronomia no Brasil, ele viajou a países como Bélgica, Alemanha, Itália e Espanha, em busca de mais conhecimento.
Além disso, passou por escolas renomadas, como a Lenôtre, em Paris, na França e nunca se cansou de estudar.
“Quando viajo de férias, não passo todo o tempo passeando. Reservo uma parte para aprender”.
Como resultado de seus esforços, em 2016 foi eleito o melhor confeiteiro do mundo pela International Union of Bakers and Confectioners (UIBC), entidade que reúne associações do segmento da panificação ao redor do globo.
Apesar de ter recebido a honraria – e outros tantos prêmios ao longo de quase 50 anos de profissão – Luiz permanece humilde.
“Não se deve colocar o próprio nome em primeiro plano, nem se preocupar demais em aparecer. O reconhecimento vem como consequência de um bom trabalho”, conclui.
Como foi o seu início na carreira em confeitaria?
Quando eu trabalhava na padaria, ficava observando o que o chef confeiteiro fazia.
Chamava muito a minha atenção. Visto que eu sempre me oferecia para lavar a cozinha depois do meu horário, perceberam minha vontade de aprender e me convidaram para trabalhar como ajudante de confeitaria.
Eu sabia de um chef italiano que trabalhava em uma das melhores padarias de São Paulo, em Santana.
Ele era o melhor do país, tinha vindo da Bauducco. Quase toda semana eu ia até lá, a fim de conseguir uma oportunidade.
Quando a chance surgiu, fui para ganhar menos da metade do que recebia no outro emprego. E ainda tinha que acordar de madrugada e pegar dois ônibus.
Quanto tempo você trabalhou lá?
Fiquei uns quatro anos e aprendi muito com esse europeu, especialmente sobre disciplina.
Dessa forma, em 1981, ainda jovem, eu já estava gerenciando uma confeitaria.
Nessa época, a Unilever me convidou para trabalhar lá. Eu tinha 22 anos e passei no processo seletivo, concorrendo com muitos chefs.
Depois que completei uns dois anos de casa, me enviaram para vários países para aprender mais: conheci a França, a Itália, a Alemanha, a Bélgica, a Espanha, Portugal… Trabalhei nessa empresa por 27 anos.
Como você fazia para se comunicar em todos esses países?
Meu inglês até hoje é muito ruim, apesar de ter estudado mais de dez anos com professores particulares.
Mas me virava bem com o portunhol. E tinha muita garra, força de vontade e determinação.
De tanto escrever receitas e observar, eu percebi que a base dos pães, por exemplo, é sempre a mesma.
Seja na Alemanha ou na Itália, se pego uma receita de croissant, consigo ver os ingredientes como farinha, açúcar, margarina, ovos e, pela proporção, sei que tipo de pão é.
Quando o professor mostrava a matéria-prima e falava algumas coisas básicas, eu não tinha medo, porque já conhecia o processo. Dessa forma eu me virava em qualquer país do mundo.
O seu conhecimento vem todo da prática ou você estudou a gastronomia e a confeitaria formalmente?
Grande parte vem da prática. Mas eu estudei nutrição na Universidade São Camilo, fiz gastronomia, panificação e confeitaria e também estudei na escola do Laurent (a Escola da Arte Culinária Laurent Suaudeau, em São Paulo).
Também estudei na Ecole Lenôtre, em Paris. Nunca parei de buscar informação, nunca me acomodei.
A Unilever também foi uma escola. Além disso, sempre gostei de repassar informação e descobri que se aprende muito dessa forma.
Como foi a sua trajetória na Bunge desde a sua chegada, há exatos 10 anos?
Eu cheguei a Bunge em abril de 2009 como gerente nacional de atendimento ao cliente.
A fim de prestar o melhor serviço possível, formatei um time levando em consideração o perfil de cada pessoa e hoje lidero 60 profissionais (30 deles diretamente).
Logo comecei a criar o conceito da Academia Bunge, inspirada na Academia Culinária de Dusseldorf, na Alemanha.
Começamos pelo Rio de Janeiro em 2011 e, em seguida, em 2012, abrimos a segunda unidade, em São Paulo.
Hoje a Academia está presente em outros dois estados do Brasil, com treinamentos, cursos e várias outras experiências gastronômicas.
Só em 2018 treinamos mais de 17 mil profissionais nas quatro academias.
Você passou por alguma situação de preconceito por ser nordestino?
Nos anos 80, quando comecei a trabalhar na Unilever, senti um pouco.
Era baixinho, gordinho, feio e nordestino em uma multinacional, onde as pessoas eram muito elegantes, bonitas, preparadas, grande parte com know-how internacional.
Às vezes alguns colegas faziam comentários “na brincadeira”, mas isso sempre me serviu de incentivo. Talvez fosse difícil para uma pessoa bem preparada ver um nordestino brilhando, crescendo e sendo elogiado, podia ser um pouco de ciúme.
Mas eu sabia da minha história de sobrevivência, de dureza, de lavar panela, trabalhar com chefes que gritavam e tinha engolido tudo aquilo, porque eu sabia onde queria chegar.
O que você considera fundamental para crescer na carreira em confeitaria?
Muita dedicação e humildade de aprender. Uma dica: na Alemanha, na Ásia, na África, na Europa, em qualquer lugar, as bases das receitas são as mesmas: o pão de ló, a massa folhada, o ganache são iguais no mundo inteiro.
Isto é, o que muda são alguns detalhes, como a quantidade de sal, o aroma, mas as bases são as mesmas.
As variações dependem do paladar de cada país: se vai ameixa, doce de leite, nozes, framboesa, amora depende da cultura do povo.
Então é preciso respeitar isso, saber do que o seu consumidor gosta.
Que outras dicas você daria para quem quer ser bem-sucedido na carreira em confeitaria?
O profissional precisa tomar muito cuidado para não achar que sabe tudo.
Afinal, aprende-se muito com os jovens quando se entra em uma cozinha. E, quando aprender, não seja arrogante, seja feliz, saiba compartilhar.
Quanto mais se ensina, mais se aprende. É preciso ser guerreiro e ter humildade para aprender bastante.
E, além disso, muito foco, afinal, trabalhar em cozinha pode ser perigoso: existe o risco de se cortar, cair, se queimar…
Quais são os principais “segredos” de uma boa liderança?
Eu adoro trabalhar em equipe. Um dos maiores segredos de uma boa liderança é o envolvimento da equipe.
Ela deve estar totalmente comprometida com aquilo que você acredita. Mas liderar não é tão simples. Se as pessoas não confiam em você, raramente se consegue.
Eu trabalho de forma muito transparente e sou muito exigente. E, por isso, todos os profissionais da minha equipe cresceram comigo, porque eu exijo o melhor.
Primeiro eu respeito, ajudo, aí eu consigo a confiança da equipe. E não fico preocupado com o trabalho dos profissionais que estão no Rio de Janeiro, por exemplo.
Tenho certeza absoluta de que estão fazendo o melhor, porque eles têm um parâmetro de trabalho.
O que é sucesso para você? Você se considera bem sucedido?
Eu me considero bem-sucedido, porque fiz uma história muito bonita no mercado. No ano 2000, fui Campeão das Américas e Vice-Campeão Mundial na Copa de Confeitaria em Madri.
Em 2014 fui nomeado membro imortal da Academia Brasileira de Arte, Cultura e História.
Em 2016 fui eleito o melhor chefe do mundo. Em 2018 fui para o Palácio do Governo receber uma homenagem como destaque da gastronomia.
Além disso, tenho dez livros escritos e três deles foram premiados. E essa é a minha carreira em confeitaria.
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